A internet é uma boa forma de passar o tempo mas não é a única forma de passar a vida

6.5.09

O Escritor...

Há muitos anos, quando pensava que viria ser escritor, o início do meu romance começava assim:

«Mademoiselle Butterfly (influenciada pela ópera de Puccini), sentiu o olhar do jovem na penumbra da igreja. Já o tinha notado quando entrara. Um leve rubor coloriu-lhe as faces ao perceber que ele também se interessara por ela. Durante a missa, os seus pensamentos voavam pela nave da igreja, o seu peito palpitava e ela tentava disfarçar a sua ansiedade com vários acenos de leque. Fim da missa. Ouve-se o farfalhar das saias em forma de sino a caminho da saída.

Sem se virar, pressente que ele está atrás dela. Abre a sombrinha para proteger o rosto alvo do sol. “Sem querer” deixa cair o lenço que ele prontamente apanha e, aproximando-se dela com uma ligeira reverência, devolve-o oferecendo-se para a acompanhar pelo jardim, onde outros casais passeiam aproveitando o dia esplêndido que a natureza lhes tinha brindado.

Aqui parei. Não por falta de imaginação para continuar, mas porque me questionei: por que teria de ser sempre um lenço a cair e não um chapéu ou até a sombrinha?

Estava na “Belle Époque”, e os contos sobre essa época começavam sempre pelo lenço e não por outra peça de vestuário caindo. As “culottes” seriam impróprias, pois com os espartilhos que usavam e a cintura de vespa nunca essa peça cairia e, caso caísse, seria um início desagradável e algo embaraçoso, para um livro sobre uma época de ouro que fez de Paris, a Cidade Luz, o centro cultural da Europa.

E assim se desfez um sonho, o sonho de ter sido escritor e tudo porque nunca me livrei da queda do lenço.

Não me livrei da queda nem do facto de pensar que nasci na época errada e, de vez em quando, transporto-me para os jardins dos Jerónimos. Ali me vejo apanhando o lenço que uma “jeune”, de saias e frou-frous, deixou cair. Um eterno romântico.»