A internet é uma boa forma de passar o tempo mas não é a única forma de passar a vida

24.2.06

Terry Fox




 Terry Fox (28 de julho de 1958 - 28 de junho de 1981) sofria de um cancro e, em consequência disso sofreu a amputação de uma perna.

  Para arrecadar fundos para pesquisas do tratamento do cancro, Terry resolveu efectuar uma travessia do Canadá a correr... não obstante ter uma perna artificial. Começou em 12 de Abril de 1980 a sua jornada em São João da Terra Nova, em Terra Nova e Labrador, na costa atlântica, e pretendia ir até Vancouver, Colúmbia Britânica, na costa pacífica, numa jornada que acabou conhecida como Marathon of Hope (Maratona da Esperança).

 Terry Fox correu durante a Marathon of Hope, em média, o equivalente a uma maratona - 42 quilómetros - por dia. Após 143 dias consecutivos, e de ter percorrido aproximadamente 5 300 quilómetros, Fox foi obrigado a parar, quando soube que o cancro se havia disseminado para os pulmões. Acabou por morrer alguns meses depois, aos 22 anos de idade.

 Terry foi proclamado como um herói nacional, tendo recebido várias honras nacionais. A Maratona da Esperança arrecadou donativos num valor total de 4,46 milhões de contos, está na moeda antiga para se ter a noção do valor alcançado, para pesquisa sobre o tratamento do cancro.

 Ao escrever aqui sobre Terry Fox, não é mais do que prestar uma homenagem a todos os deficientes que desta forma, ou de outra, lutam com dignidade, contra a adversidade da vida. Não ficam parados à espera que lhes resolvam o problema, vão à luta, mostrando que querer é poder. O mesmo querer que nos dá    Nuno Cabruja, a amiga   Bitu e o nosso campeão em cadeiras de rodas João Correia.


 Domingo lá estarei. Faça chuva, faça sol, caia granizo ou não, serei mais um entre milhares, entre eles os deficientes com cadeira de rodas, quem sabe se lá não estará o João, e outros deficientes (invisuais). Iremos calcorrear a estrada, numa corrida onde o mais importante é o de retirar prazer do intervalo que o nascer e o morrer nos dá. E, quando for em direcção ao Guincho, se as forças me faltarem, lembrar-me-ei do exemplo e da tenacidade que eles fazem para vencer os obstáculos no seu dia-a-dia, e a quem nem a deficiência lhes esmorece a vontade. Por certo, quando acabar os meus 20km, terei um sorriso nos lábios em homenagem a todos os Terry Fox’s do mundo.

Estátua de Terry Fox, em Ottawa


21.2.06

O Barbeiro...



  Fui hoje visitar-te. Já há muito que não ia até à tua barbearia. Estavas sentado, com a porta entreaberta pois o dia estava frio. Olhei para ti. Olhei para os teus cabelos brancos e já com os óculos bastante graduados. Há quanto tempo és tu que me cortas o cabelo?!... Ainda os meus rapazes eram umas crianças e já se sentavam na tábua de madeira para tu melhor poderes lhes cortar a trunfa. Agora, já homens feitos, não vão até ti. Outras mãos, que não as tuas, lhes aparam os gostos e os feitios que a moda dita.

 Eu parecia um Beatle. Um Beatle com as suas falhas mas o raio do cabelo aquecia-me as "zorelhas" e, como o tempo está frio era sempre prá amanhã!...

 Lembrei-me, quando menino e moço, ia a um casamento e logo nesse dia o “cota” mandou-me cortar o cabelo. Ora que chatice, logo nessa altura que ia fazer uma “banga” junto às miúdas é que ia cortar o meu cabelito. Ainda hoje sorrio quando me lembro de ter dito ao barbeiro: «Corte o cabelo mas de forma que só eu e você é que saibamos que ele foi cortado». Saí dali com o cabelo aparadinho mas compridinho e aí é que a porca torceu o rabo, como só eu e o barbeiro é que sabíamos que o cabelo tinha sido "cortado" foi o bom e o bonito com o “cota” pois ele não estava dentro do nosso plano e, se não fosse o facto de estar perto a hora do casório, lá teria que voltar de novo para a tosquia,... fui “salvo” pelo gongo.

 Lembrei-me depois daquela vez que fui a um cabeleireiro com todos os requintes, e umas mãos de mulher se colocaram sobre a minha cabeça. Quando me começou a falar de que diziam que as mulheres não sabiam fazer o corte do cabelo dos homens comecei a assustar-me. Já não olhava para o espelho e depois de paga a conta, antes de sair, olhei para todo o lado para ver se vinha alguém. É que o corte parecia mesmo do tipo Castelo Branco, só me faltava a malinha «Paco “Rabone”», comprada na feira de Carcavelos, a tiracolo, para parecer o dito cujo,... safa!...

 Ouvia o barulho característico da tesoura a cortar o cabelo. Ele, ia caindo também já com cores branquinhas na toalha. Estou a ficar como tu. Falei-te da festa na tua terra, a «Festa da Ascensão» e tu já a trocavas pela da Assunção.

 Olhei para o espelho, vi-te concentrado no teu trabalho. Calei-me pois as recordações de uma vida não se falam, escutam-se no silêncio de um olhar. Pegaste no pequeno espelho e eu disse que sim que estava tudo bem, mesmo que estivesse mal eu diria que sim, que estava tudo bem, pois tu fazes parte de um tempo que voa e, quando saí, encostando a porta disse: «Até há próxima, barbeiro do meu bairro».


P.S. - Cota na gíria significa o pai, a mãe ou outro adulto. Em África é o mais velho, o mais sábio da aldeia, o que aconselha, o que resolve as disputas. Em Portugal usa-se o termo de forma depreciativa. É pena.


6.2.06

Prosa do Quotidiano – 1




 Vi-te criança, suja, descalça, vergada sob o saco que nas costas levavas, caminhando trôpega na calçada. Quantos anos terias?! Pensei, 12,... 13,... talvez. No teu corpo franzino não é o tempo que te dá a idade, mas sim a tua vida de miséria.

 Sei que te vi num instante fugaz da paragem do autocarro onde seguia.

  O que levavas no saco?! Talvez papeis para os transformares em pão para os teus. Gente pobre e faminta na barraca onde existe mais um inquilino, a miséria.

 E tu criança, vencida pelo tempo, olhando para o chão como há procura de algo – ou seria do peso do fardo da vida?!

 Vi-te, e senti que, afinal, o sol, ainda não nasce igual para todos.



Lisboa, nov. 79