A internet é uma boa forma de passar o tempo mas não é a única forma de passar a vida

6.12.05

Do Outro Lado do Espelho

Noite de Natal, noite de luz,
Risos ecoam na noite escura,
Comemora-se o nascimento de Jesus,
Festa que há séculos perdura.

Em cima da mesa estão
Doces, castanhas e nozes,
Rabanadas de vinho e pão.
Esquecem-se guerras atrozes.

Cá fora, o vento passa uivando,
Neve sobre a terra, caía,
Pobre rapaz tiritando,
Nas peripécias do tempo caminha.

Ao longe, um senhor seguia,
Correndo sobre o agreste chão,
Com a sua mão magra estendida,
Falou-lhe assim ao coração:

“Meu senhor, tenha pena de mim,
Dum rapaz pobre que sou,
A minha mãe tem doença ruim,
Meu pai partiu, não mais voltou.”

Mas o grande senhor,
Que dentro de luvas, as mãos aquecia,
Seguiu sem escutar a dor,
E nem um olhar para o rapaz volvia.

Quedou-se a mão que pedia,
E na sua mãe pensava,
Pobre, doente, tremia,
Que na barraca, o esperava.

Com a mãozinha suja e fria,
Lágrimas de dor foi a enxugar,
Por não dar à sua mãezinha,
O pão que estava a faltar.

E o rapaz num canto da rua,
Perdido na imensidão do mundo,
Banhado pela luz da Lua,
Caiu num sono profundo.

Um anjo que por ali passava,
Olhando-o com ternura sincera,
Levou-o para junto da mãe amada,
Que outro anjo da terra trouxera.

3.12.05

Um sol diferente!...

Intróito:

 Hoje é o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Esta semana um invisual morre ao cair na linha do comboio por falta de algo que pudesse "dizer" ao invisual que a plataforma acabava ali e que para lá era a morte. Os diversos governos prometem e não cumprem. Os nossos deficientes continuam a via sacra, pedindo a quem de direito que olhem para eles e não por eles. Eles, os deficientes, sabem que neste mundo cruel, a deficiência não está na sua deficiência, a deficiência está na cabeça de quem nos governa, o maior cego não é aquele que não vê, é aquele que não quer ver.

 Este texto foi repescado, é a minha homenagem àqueles deficientes que comigo trabalham. Para eles toda a sorte do mundo na pouca sorte que tiveram em terem nascido ou ficado assim.

  Sentado, ia bebericando o meu café. Ouço uma algazarra e, de repente, surgem perante os meus olhos uma dezena de jovens.

  - Bom dia – disse eu – mais um dia de trabalho?!
  - É verdade – respondiam eles conforme se iam confrontando comigo e, como hoje é Segunda, uma boa semana para si.
  - Obrigado, também para vocês.

  Lá me iam cumprimentando e dando um aperto de mão, os mais afoitos, enquanto outros acenavam. Olhei para eles, homens e mulheres feitos e, imaginei como deveria ter sido a meninice. Cheia de dificuldades na adaptação a um mundo só deles, onde o futuro é incerto mas o presente uma realidade. Vão trabalhando, dando o melhor de si em tarefas que se adaptaram à sua forma de ser e não eles que se adaptaram às tarefas. São jovens deficientes.

  Quando o ovo da vida se abriu, como barqueiro que sai do seu barco, o sol que brilhou para eles afinal, não era igual,... ao brilho de outros sóis.