A internet é uma boa forma de passar o tempo mas não é a única forma de passar a vida

25.10.05

Eram pior que inimigos….

  Há palavras que, sem querer, se colam a nós para toda a vida. Mais cedo ou mais tarde elas assomem à nossa consciência como uma lapa agarrada a um rochedo e, por mais que o queiramos, não nos livramos dela. Pode ser uma quadra, um verso ou uma simples citação.

«Eram pior que inimigos, eram irmãos.»

  Esta frase de Pitigrilli (pseudónimo de Dino Segre), ocorre-me quando verifico o quanto de veracidade existe nela, quando se sente o ódio que passa a existir entre irmãos por causa de uma partilha, por causa de um nada que pelos vistos para alguns é tudo. Os bens terrenos ninguém os leva, mas o amor de um irmão esse é perene.

«Eram pior que inimigos, eram irmãos.»

  Num texto que li, uma mãe dizia para os seus filhos: - «Quando vocês eram solteiros todos se davam bem, agora casados dão-se todos mal».

  Uma mulher, ou um homem, pode ocupar parte do nosso coração mas não substitui aquilo que é de mais sagrado, a voz do sangue. O sangue que corre nas veias daqueles que durante anos foram os nossos companheiros de brincadeiras, o ombro amigo, aquele que na hora que mais necessitámos diz: - «Estou aqui meu irmão, conta comigo».

  Um dia um meu irmão disse-me: - «Os meus amigos são os meus irmãos». Muitos anos são passados e essa frase ficou dentro de mim e é isso sempre que espero para que a frase «Eram pior que inimigos, eram irmãos» nunca seja uma realidade.

  Que lições nos poderá dar a vida para que agora, neste momento, alguém pegue no telefone, ligue para o irmão desavindo e diga: «Obrigado meu irmão por existires!»

17.10.05

... E a Terra move-se!

 Com a descoberta do telescópio, Galileu observou as crateras da Lua, as manchas solares, as fases de Vénus e descobriu quatro satélites de Júpiter. Foram as suas observações astronómicas que o levaram à demonstração da teoria de Copérnico que afirmava que a Terra girava em torno do Sol.

 Em 1632, Galileu apresentou aquela que se tornou a sua obra mais famosa, o Diálogo sobre os dois sistemas do mundo, onde defendia a teoria do heliocentrismo.

Tribunal da Inquisição – 1633


 ... Sendo que tu Galileu, filho de Vincenzo Galilei, florentino, da idade de 70 anos, foste denunciado em 1615, neste Santo Ofício, por teres como verdadeira a falsa doutrina, ensinada por alguns, de que o Sol é o centro do mundo e está imóvel, e que a terra se move...

 ... que, às objecções que então te foram feitas, tiradas das Sagradas Escrituras, respondeste glosando as ditas Escrituras à tua maneira...

 ... invocado portanto o Santíssimo Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua gloriosíssima Mãe sempre Virgem Maria...

 ... condenamos-te a cárcere formal neste Santo Ofício, a arbítrio nosso, e como penitência salutar impomos-te que, durante três anos, venhas dizer uma vez por semana os sete Salmos de penitência, reservando-nos a faculdade de moderar, mudar ou perdoar, no todo ou em parte, as citadas penas e penitências.


 Em 22 de junho de 1633, ano do Senhor – e numa quarta- feira – o Sacro Tribunal da Inquisição havia portanto decidido. A Terra – que ficasse bem claro – está imóvel; ela é o centro do universo, e a Igreja de Roma – que também isto ficasse bem claro - é o centro da Terra. E o Vaticano é o centro da Igreja. Roma locuta est, causa finita est.
Roma falou, a causa está terminada.


 ... e Galilei retracta-se

 Eu Galilei... fui julgado como veementemente suspeito de heresia, isto é de, de ter afirmado e acreditado que o Sol seja o centro do mundo e imóvel, e que a Terra não seja o centro e se mova... abjuro, maldigo e detesto os citados erros e heresias, e juro que, no futuro, não mais direi nem afirmarei, por voz ou por escrito, coisas tais pelas quais se possam ter de mim semelhantes suspeitas...

 Mas a lenda, diz que Galileu, o septuagenário, num último sobressalto de dignidade, exclamou:

«E no entanto... move-se!»


 Rodeado de amigos e discípulos, Galileu morreria a 8 de janeiro de 1642. Seus companheiros quiseram erguer um monumento em sua homenagem, mas o papa Urbano VIII vetou a proposição, alegando que ela seria um mau exemplo para os fiéis, visto que o morto "dera origem ao maior escândalo de toda a cristandade".


10.10.05

A Vida... e um sorriso!

«Se não posso voar mais alto, é porque voei até onde as minhas asas o permitiram.»


 Na nossa existência pensamos sempre que há algo que nos impede de realizar o sonho. O sonho de alcançar as estrelas quando, por força das circunstâncias, só nos resta olhar para elas.

Quantas satisfações a vida nos oferece e procuramos sempre algo que nunca acontece. Algo que nos realize ou, pensamos nós, que dê sentido à nossa vida. O que procuramos? Que caminhos trilhamos? O que é que a vida nos reserva num futuro imediato?

Será que vale a pena pensar na tal pancada que um dia pensamos que vamos receber e termos acesso à terceira visão essa que nos diz o que é que fazemos aqui? Não será mais fácil aproveitar a vida sem esperarmos mais dela do que aquilo que ela nos dá? Então o porquê de querer agarrar as estrelas no céu se as temos muitas vezes ao pé de nós e não as enxergamos?

Que tal começar bem o dia? Chegar ao local de trabalho com um sorriso do tamanho do mundo e dizer Bom-Dia! O pessoal pensará que estamos passados da cabeça pois todos os dias o nosso rosto cruzou as portas sempre com ar sisudo como se transportássemos nele todo o mal do mundo.

Dizem que somos um povo cinzento, mas cinzento é o tempo que faz hoje. Iluminemos o dia com o sol do nosso sorriso. Vamos gozar a vida, tenha um Bom-Dia!

É gozar a vida enquanto cá andamos porque depois... pode ser tarde!

4.10.05

A mais bela história de Amor

 Esta lenda, dedico-a a todos aqueles/as que, acreditando ou não numa religião, não deixam de fazer bem ao próximo. A lenda é extensa mas vale a pena.

 O Bodhisattva percorria o campo em procura daquilo que não sabia. Caminhava a passos lentos, ora perdido em pensamentos, ora interessando-se pela natureza, sumptuosamente vestida com as cores do infinitamente inteligente.
De repente, viu uma pomba, tão cansada de sulcar os ares pesados que estava prestes a cair. Num último esforço, ela conseguiu chegar junto do sábio e deixou-se cair aos seus pés.
Suplico-te, Bodhisattva – gemeu -, salva-me! Desde esta manhã que um abutre me persegue; estou esgotada e só tenho esperança em ti. Vê, lá vem o abutre... está ali!
Com efeito, um enorme pássaro negro aproximava-se do sábio, mas voava também com tanta dificuldade que fazia pena ver o seu esgotamento.
O Bodhisattva pegou na pomba, escondeu-a na túnica, e murmurou-lhe com toda a sua ternura fraterna:
- Sossega o teu coração, pombinha. Eu sou o Bodhisattva, ofereço-te a hospitalidade do meu peito e não tens nada a temer.
Foi então que o abutre pousou diante dele, as plumas em desordem e visivelmente aflito.
- Pelos deuses - disse ele, já não posso mais, depois desta terrível manhã de caça! Bodhisattva, vi-te esconder a pomba debaixo da túnica, dá-ma depressa, porque me sinto desfalecer...
- Podes estar certo que não ta darei - respondeu o sábio - porque lhe prometi que estaria em segurança, e as leis da hospitalidade não podem ser transgredidas, sob pena de castigo.
- Essa pomba não te pertence - replicou o abutre. - É minha. Quando a agarraste, estava no limite das forças e ia, como seria justo, cair em meu poder. Vamos, dá-me o que é meu!
- Impossível!
- Pensa, Bodhisattva: eu sou um abutre, é esta a minha natureza imposta pelos deuses, que também me impuseram o meu alimento. Forcei a pomba. Ela é a recompensa do meu trabalho de abutre e deves dar-ma.
- Impossível - disse ainda o sábio -, mas com a voz pouco segura. Gostaria muito de te agradar, abutre, mas não ta posso dar pelo preço que a pedes. Volta à tua caça, é o que tens de melhor a fazer!
- Voltar à caça? A tua graça é cruel, Bodhisattva! Não vês que não sou capaz de voar? Se uma raposa me encontra neste estado, estou perdido! Queres que morra à fome ou que seja devorado por um inimigo? Seja, vou morrer, mas a tua consciência sentirá o peso deste crime.
O Bodhisattva não precisou de meditar muito para compreender que o abutre tinha razão, mas a pomba também tinha razão em querer salvar a vida, e ele também tinha razão em oferecer a hospitalidade do seu peito. Como podia ele dizer à pomba que era o salário legítimo do abutre? Deveria deixar o abutre devorar a presa?
O seu coração abrasava-se de piedade, de amor e de cruel incerteza.
Sacrificar a pomba inocente? Impossível!
Sacrificar o abutre inocente? Não!
Só restava uma solução, que iluminou o Bodhisattva.
- Tens razão, abutre - disse ele - não te devo privar do teu salário. Vou portanto oferecer-te com a minha carne aquilo a que tens direito.
Por milagre, surgiram uma balança e uma faca diante do sábio, que, num prato, pousou a pomba e, no outro, um grande pedaço de carne arrancado do seu próprio corpo.
Como o fiel se inclinava para o lado da pomba, o Bodhisattva acrescentou um outro bocado da sua carne, depois mais um outro, e outro... e o fiel inclinava-se sempre para o mesmo lado, os bocados de carne humana não chegavam a pesar tanto como a frágil pomba.
Então, o Bodhisattva subiu para a balança, cujos pratos se equilibraram imediatamente com uma exactidão rigorosa.
Uma vida por outra vida!
O abutre, que tinha contemplado a cena em silêncio, bateu as asas e metamorfoseou-se.
- Eu sou o deus Indra - disse - e queria pôr-te à prova!
Caiu do céu uma chuva de ambrósia que curou o Bodhisattva, a quem o deus anunciou que voltaria a encarnar no corpo do próximo Buda.


 Estamos diante duma bela lição de amor, completa e edificante: uma vida vale outra vida. O amor só vale quando é total e se dirige tanto ao nosso irmão abutre, como à nossa irmã pomba ou ao nosso outro irmão, o grãozinho de areia.
Foi este o ensinamento iniciático do Bodhísattva.